sexta-feira, 10 de agosto de 2012

o mito da caverna por platão


O Mito da Caverna: Livro VII da
“República” de Platão
Imagina homens que vivem numa espécie de
morada subterrânea, em forma de caverna, que possui
uma entrada que se abre em toda a largura da caverna
para a luz; no interior dessa morada eles estão, desde
a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço,
de modo a ficarem imobilizados no mesmo lugar, só
vendo o que se passa na sua frente, incapazes, em
virtude das cadeias, de virar a cabeça. Quanto à luz,
ela lhes vem de u fogo aceso numa elevação ao
longe, atrás deles. Ora, entre esse fogo e os
prisioneiros, imagina um caminho elevado ao longo
do qual se ergue um pequeno muro, semelhante ao
tabique que os exibidores de fantoches colocam à sua
frente e por cima dos quais exibem seus fantoches ao
público.
– Estou vendo, disse.
– Figura, agora, ao longo desse pequeno muro
e ultrapassando-o, homens que transportam objetos
de todos os tipos como estatuetas de homens ou
animais de pedra, de madeira, modelados em todos
os tipos de matéria; dentre esses condutores,
naturalmente, existem aqueles que falam e aqueles
que se calam.
– Fazes de tudo isso uma estranha descrição,
disse, e teus prisioneiros são muito estranhos!
– É a nós que eles se assemelham, retruquei.
Com efeito, podes crer que homens em sua situação
tenham anteriormente visto algo de si e dos outros,
afora as sombras que o fogo projeta na parede situada
à sua frente?
–Evidentemente!
–Se, portanto, conseguissem conversar entre si,
não achas que tomariam por objetos reais as sombras
que avistassem?
–Forçosamente.
–E se, por outro lado, houvesse eco na prisão,
proveniente da parede que lhes é fronteira, não achas
que, cada vez que falassem um daqueles que passam
ao longo do pequeno muro, eles poderiam julgar que
os sons proviriam das sombras projetadas?
–Não, por Zeus, disse ele.
–Portanto, prossegui, o homens que estão nesta
condição só poderão ter por verdadeiro as sombras
projetadas pelos objetos fabricados.
–É inteiramente necessário.
–Considera agora o que naturalmente lhes
sobreviria se fossem libertos das cadeias e da ilusão
em que se encontram. Se um desses homens fosse
libertado e imediatamente forçado a se levantar, a
voltar o pescoço, a caminhar, a olhar para a luz; ao
fazer tudo isso ele sofreria e, em virtude do
ofuscamento, não poderia distinguir os objetos cujas
sombras visualizara até então. Que achas que ele
responderia se lhe fosse dito que tudo quanto vira até
então até então não passara de quimeras, mas que,
presentemente, mas perto da realidade e voltado para
objetos mais reais, estaria vendo de maneira mais
justa? E se, ao se lhe designar cada um dos objetos
que passam ao longo do muro, fosse forçado a
responder às perguntas que se lhe fizesse sobre o que
é cada um deles, não achas que ele se perturbaria?
Não achas que ele consideraria mais verdadeiras as
coisas que vira outrora do que aquelas que agora lhe
eram designadas?
–Sim, disse ele, muito mais verdadeiras!
–E se, por outro lado, ele fosse obrigado a fitar
a própria luz, não achas que seus olhos se
ressentiriam e que, voltando-lhe as costas, fugiria
para junto daquelas coisas que é capaz de olhar e que
lhes atribuiria uma realidade maior do que as outras
que lhe são mostradas?
–Exato, disse ele.
–Supõe agora, prossegui, que ele fosse
arrancado à força de sua caverna e compelido a
escalar a rude e escarpada encosta e que não fosse
solto antes de ser trazido até o sol; não achas que ele
se afligiria e se irritaria por ter sido arrastado dessa
maneira? E que, uma vez chegado à plena luz e
completamente ofuscado, achas que poderia
distinguir uma só das coisas que agora chamamos
verdadeiras?
–Não poderia fazê-lo, disse ele, pelo menos de
imediato.
–Penso que teria necessidade de hábito para
chegar a ver as coisas na região superior. De início,
distinguiria as sombras mais facilmente, em seguida,
a imagem dos homens e dos outros seres refletidos
nas águas; mais tarde, distinguiria os próprios seres.
A partir dessas experiências, poderia, durante a noite,
contemplar os corpos celestes e o próprio céu, a luz
dos astros e da lua, muito mais facilmente do que o
sol e a sua luz, durante o dia.
–Não poderia se de outro modo.
–Penso que finalmente ele seria capaz de fitar
o sol, não mais refletido na superfície da água, ou sua
aparência num lugar em que não se encontra, mas o
próprio sol no lugar que é o seu; em suma, viria a
contemplá-lo tal como é.
–Necessariamente, disse ele.
–Após isso, raciocinando a respeito do sol,
concluiria que ele produz as estações e os anos, que
governa todas as coisas que existem em lugar visível
e que num certo sentido, também é a causa de tudo
que ele e seus companheiros viam na caverna.
– É claro, disse ele, que chegaria a tal
conclusão.
–Ora, não achas que, ao se lembrar de sua
primeira morada, da sabedoria que lá se processa, e
dos seus antigos companheiros de prisão, ele não se
rejubilaria com a mudança e lastimaria estes últimos?
–Sim, creio.
–E se eles, então, se concedessem honras e
louvores entre si, se outorgassem recompensas àquele
que captasse com olhar mais vivo a passagem das
sombras, que tivesse melhor memória das que
costumavam vir em primeiro lugar ou em último, ou
concomitantemente, e que, por isso, fosse o mais
capaz de fazer conjecturas, a partir dessas
observações, sobre o que deveria acontecer, achas
que esse homem liberto sentiria ciúmes dessas
distinções e alimentaria inveja dos que, entre os
prisioneiros, fossem honrados e poderosos? Ou
então, como o herói de Homero, não preferiria muito
mais “ser apenas um servente de charrua a serviço de
um pobre lavrador”, e sofrer tudo no mundo no
mundo a voltar a suas antigas ilusões, a pensar como
pensava, a viver como vivia?
–Como tu, acho que ele preferiria sofrer tudo a
viver dessa maneira.
–Supõe que este homem retornasse à caverna e
se sentasse em seu antigo lugar; não teria ele os olhos
cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno
sol?
–Seguramente, disse ele.
–E se, para julgar essas sombras, tivesse de
entrar de novo em competição com os prisioneiros
que não abandonaram as correntes, no momento em
que ainda estivesse com a vista confusa e antes que
se tivessem reacostumado, não provocaria risos? Não
diriam eles que sua ascensão lhe causara a ruína da
vista e que, portanto, não valeria a pena tentar subir
até lá? E se alguém tentasse liberta-los e conduzi-los
até o alto, não achas que eles pudessem pega-lo e
mata-lo, não o fariam?
–Incontestavelmente, disse ele.
–Essa imagem, caro Glauco, terá de ser
inteiramente aplicada ao que dissemos mais acima,
comparando o que a vista nos revela com a morada
da prisão e, por outro lado, a luz do fogo que ilumina
o interior da prisão com a ação do sol; em seguida, se
admitires que a ascensão para o alto e a sua a
contemplação do que lá existe representam o
caminho da alma em sua ascensão ao inteligível, não
te enganarás sobre o objeto de minha esperança, visto
que tens vontade de te instruíres nesse assunto. E
Deus sabe, sem dúvida, se ele é verdadeiro! Eis, em
todo caso, como a evidência disto se me apresenta: na
região do cognoscível, a idéia do Bem é a que se vê
por último e a muito custo, mas que, uma vez
contemplada, se apresenta ao raciocínio como sendo,
em definitivo, a causa universal de toda a retidão e de
toda a beleza; no mundo visível, ela é a geradora da
luz e do soberano da luz, sendo ela própria soberana,
no inteligível, dispensadora de verdade e inteligência;
ao que eu acrescentaria ser necessário vê-la se se
quer reagir com sabedoria tanto na vida privada
quanto na pública.Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.